Finalmente...Quando o estudante termina seu doutorado, ele ou ela atinge o nível máximo em termos de ensino “regular”. De fato, como já discutimos anteriormente, o estudante está agora realmente pronto e pode ser considerado um “pesquisador autônomo”, se for seguir uma carreira acadêmica. Mas e agora? O que fazer enquanto ele ou ela não consegue um emprego como professor ou pesquisador?
Embora não seja caracterizado como um nível formal ou regular de ensino, acho que é interessante comentar, no contexto de formação na Pós-Graduação, sobre o que chamamos de “Pós-Doutorado” (posdoc, para simplificar). Existe uma certa diferença em relação à essa terminologia, quando comparamos o Brasil com o que ocorre no resto do mundo (falamos disso logo abaixo). Talvez a terminologia melhor adequada para esse nível seja “estágio pós-doutoral”, pois na verdade o posdoc não é um curso, não existe um “titulo” formal de "pós-doutor em ..." . Ele não é obrigatório ou requerimento para concorrer a qualquer posição de emprego como docente ou pesquisador. No máximo, temos uma declaração ou um certificado dizendo que ele ou ela concluiu seu pós-doutorado naquela Universidade, ou associado ao programa de pós-graduação (e mesmo assim não existe uma padronização das condições mínimas necessárias para ter esse certificado ou declaração). Portanto, é de fato um "estágio", e o que vale nele não é esse certificado, mas sim os produtos gerados (artigos, livros, orientações de outros estudantes) e a experiência e contatos adquiridos durante esse tempo. Também é importante lembrarmos que, por definição, estamos falando de um Doutor, com autonomia de pesquisa (pelo menos em princípio...) e não é correto dizer que ele ou ela é um “estudante”, pelo menos não no sentido que usamos para os alunos de graduação ou mesmo de pós-graduação no ensino formal. A questão da autonomia em termos de pesquisa se torna mais evidente aqui, por definição.
Bom, a questão toda do posdoc começa com o problema de que, com raras exceções, atualmente é difícil que alguém consiga um emprego como docente ou como pesquisador efetivo logo que termine o Doutorado, dada a competitividade do sistema e o número limitado de possibilidades de emprego. Você já pode imaginar então que esses estágios de pós-doutorado eram raros há 15 ou 20 anos atrás, quando havia poucos doutores no mercado de modo que estes tinham, de fato, uma boa chance de conseguir muito rapidamente um emprego. Na verdade, nessa época ainda era comum que mesmo estudantes de doutorado ou mesmo de mestrado ainda conseguissem fazer um concurso público em uma Universidade pública e conseguir uma posição de professor permanente... Pensando bem, o meu concurso aqui na UFG em 1993 foi para professor assistente (só exigindo o título de mestre) e eu ainda não tinha defendido minha tese de doutorado.
Então, o jovem doutor que ainda não tenha vínculo empregatício tem a possibilidade de continuar trabalhando em pesquisa com uma bolsa de posdoc até conseguir um emprego. Isso já era bem comum nos Estados Unidos e Europa há alguns anos, e agora existem várias oportunidades e programas para isso no Brasil. O valor da bolsa é um pouco melhor do que o da bolsa de doutorado, igual a R$ 4.100,00 hoje (e há em geral um adicional, às vezes chamado de “taxa de bancada” que o pós-doutor pode usar para o seu projeto, viagens a congressos etc). Os valores de bolsas pagos pelas as agências estaduais podem ser um pouco diferente, e na FAPESP, em São Paulo, por exemplo, os valores de bolsa de posdoc são mais elevados, chegando a pouco mais de R$ 7.000,00. Em alguns casos, no Brasil, há um limite de tempo após a conclusão do doutorado (cerca de 7 ou 8 anos) para poder concorrer a essas bolsas.
Em termos de programas, a CAPES mantém o Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD), que concede aos Programas de Pós-Graduação cotas de bolsas que podem ser preenchidas por um Doutor por até 5 anos, para atuar junto ao programa em suas várias atividades (em geral os Programas de Pós-Graduação realizam um processo seletivo para preencher essa cota). A FAPESP, além das bolsas regulares de pós-doutorado, mantém um programa semelhante, o “Jovem Pesquisador”, que possui muitas vantagens, incluindo um valor bem mais alto de bolsa e um projeto de pesquisa associado com um bom financiamento. Principalmente em função do prazo mais prolongado, no PNPD e no “Jovem Pesquisador” a ideia é envolver mais o jovem doutor nas atividades de rotina em termos de ensino, pesquisa e extensão de um grupo de pesquisa, departamento ou Programa de Pós-Graduação, de modo que ele ou ela tenha uma boa experiência que o capacite melhor em todas essas atividades, além da própria atividade de pesquisa. Por outro lado, o CNPq possui o programa PDJ (Pós-Doutorado Júnior), com a bolsa concedida por meio de um projeto que é submetido à avaliação, inicialmente por 1 ano (prorrogável por até mais um ano, em geral), e portanto nesse caso o foco principal é realmente o projeto de pesquisa proposto.
Um exemplo interessante, normalmente realizado por uma associação entre a CAPES e as agências Estaduais de Fomento à Pesquisa e um caso interessante são as chamadas "Bolsas de Fixação" (em alguns casos chamada de “DocFix”), cujo objetivo seria atrair e fixar doutores em regiões do Brasil com menor desenvolvimento em pesquisa. Um programa semelhante, em uma escala internacional, foi o Programa de Atração de Jovens Talentos (BJT) da CAPES, no contexto do Programa “Ciência sem Fronteiras”, cujo objetivo era atrair jovens pesquisadores de todo o mundo para o Brasil, inclusive aqueles que haviam saído do Brasil para realizar seus Doutorados no exterior. No caso do BJT, dependendo do curriculum do candidato, o valor da bolsa poderia chegar a valores semelhantes aos pagos pela FAPESP.
Ainda em termos de possibilidade de continuar trabalhando, existem várias outras categorias de bolsas no CNPq, CAPES e diversas agências que podem ser concedidas aos Doutores, no contexto de pesquisa e inovação. Um exemplo são as chamadas bolsas DTI (Desenvolvimento Tecnológico e Industrial), que podem estar associadas a grandes projetos de pesquisa e cujos valores se aproximam das bolsas de pós-doutorado no caso dos candidatos com máxima titulação e experiência. As bolsas DTI do CNPq possuem diferentes categorias (A, B ou C) e possuem critérios específicos de concessão ligados ao tempo de titulação ou experiência profissional, bem como às atividades no projeto. Na verdade podem ser inclusive concedidas a estudantes de mestrado e doutorado (desde que eles satisfaçam os requisitos e tenham autorização para isso).
Isso me lembra um outro ponto geral importante, que na realidade se aplica a quase todas essas bolsas. Em geral as bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado exigem uma dedicação exclusiva à pesquisa e não podem ser acumuladas. Ou seja, um estudante de Doutorado, por exemplo, não pode receber uma bolsa de Doutorado da CAPES e outra DTI do CNPq ao mesmo tempo. Algumas agências estaduais, como a FAPEG aqui de Goiás, permitem que as bolsas de mestrado ou doutorado sejam concedidas a estudantes com vinculo empregatício, e no caso do CNPq e da CAPES é possível também um acúmulo de bolsas com salários, mas apenas em situações excepcionais de ensino na rede pública, por exemplo (assim, em geral o bolsista do CNPq e da CAPES não possui outra fonte de renda).
Pensando agora em outra “categoria” de pós-doutorado, é importante também mencionar que aqui no Brasil temos as bolsas de Pós-Doutorado “Sênior”. Essas bolsas são concedidas a docentes ou pesquisadores já experientes e com vínculo empregatício em Universidades ou Institutos, principalmente para realizar estágios em outros países. Nesse caso, a ideia é que os pesquisadores possam periodicamente se capacitar em novas técnicas e estabelecer novas parcerias de pesquisa. No exterior, a terminologia “Pós-Doutorado” ou simplesmente "posdoc" que usamos aqui em casos gerais não é usada nessas situações de um pesquisador que já possui uma posição permanente e um vínculo empregatício. Fala-se em geral em “estagio sabático” (que vem da ideia de ter uma licença, em geral não remunerada e paga pela instituição de destino ou por projetos do próprio docente, a cada 7 anos). Também existe, em um sentido similar, a figura do Professor Visitante, ou seja, eu posso me afastar da minha instituição, com ou sem vencimentos, e receber uma bolsa (da CAPES, por exemplo), para atuar durante um período determinado como professor em outra instituição. Existe também a possibilidade da própria instituição contratar Professores Visitantes, e no caso das Universidades Federais o banco de vagas permite essa possibilidade, com atuação específica para desenvolvimento em pesquisa e consolidação da pós-graduação.
Chamo atenção novamente para o fato de que, para o jovem posdoc, o problema de receber uma bolsa de estudos e não um salário, que mencionamos quando falamos dos mestrados e doutorados, continua...Na verdade essa situação vai se complicando! No exterior, normalmente se fala em “contratos” de posdoc, pois na realidade a Instituição, por meio de projetos ou de programas financiados pelo Governo, está pagando realmente um pesquisador ou docente temporário. Nesse caso ele não é um "bolsista" no nosso sentido da palavra e possui sim um salário, embora certamente toda a questão de legislação trabalhista seja muito variável entre os países. No Brasil, então, alguém que quer seguir hoje em dia uma carreira acadêmica, como professor de ensino superior ou pesquisador, vai ficar, digamos, em torno 8 anos sem um emprego forma com todos os direitos trabalhistas, isso depois de concluir sua graduação (pensando em 2 anos do mestrado, mais 4 do doutorado e pelo menos 1 ou 2 como posdoc). Essa questão dos direitos trabalhistas na pós-graduação é uma reivindicação antiga, encampada fortemente pela Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG). O sistema previdenciário no Brasil está mudando em 2019, mas uma sugestão importante é que os estudantes de pós-graduação comecem a pagar o quanto antes mínimo do sistema previdenciário o quanto antes para evitar todo esse atraso no futuro, em termos de aposentadoria (quando somos jovens nem pensamos muito nisso e às vezes depois nos arrependemos...).
Então, esse é o final da formação (mesmo que, como falei no início, o posdoc seja algo mais informal...). Se tudo der certo e o estudante conseguiu uma posição permanente, agora ele ou ela pode iniciar sua carreira acadêmica de docente e pesquisador independente de qualquer orientação ou supervisão. Mas, voltando para nossa ideia da postagem anterior sobre a relação “mestre-aprendiz”, como fica a relação com o “mestre” agora que a aprendiz termina sua “passagem”? Agora ele ou ela se tornou independente e, em princípio, não “precisa mais” do mestre. Mas não é bem assim, pois ao longo de nossa vida acadêmica sempre vamos precisar de referenciais que estejam “à nossa frente”, em diferentes aspectos, e se nossa relação com os nossos mestres foi boa e produtiva ela sempre vai manter esse sentido de “direção”. Como já mencionei antes, isso está muito ligado à ideia das tradições de pesquisa e da genealogia acadêmica. Gosto de lembrar que independência não significa isolamento...Em alguns países existe até um certo preconceito em relação ao ex-estudante que mantém colaboração ativa com os seus ex-orientadores em termos de publicação (isso porque é preciso forçosamente “demonstrar” essa independência). Talvez isso seja salutar, principalmente em um primeiro momento...Às vezes o ex-estudante pode começar a trabalhar em uma linha um pouco diferente, e isso naturalmente cria um afastamento entre o mestre e o ex-aprendiz...Por outro lado, em outras ocasiões o apoio do ex-orientador pode ser importante se o jovem docente ou pesquisador ainda está em uma fase inicial e precisa de apoio, por exemplo, para consolidar ou montar um laboratório, ou para conseguir projetos e recursos de maior volume (usualmente acessíveis apenas a pesquisadores mais experientes). Nesse caso, manter a parceria (se ela funcionava, claro!) pode ser interessante. Na ciência atual, é importante manter as melhores e maiores redes de colaboração possíveis e isso com certeza vai incluir boas relações entre antigos mestres e aprendizes. Mas, enfim, não há uma regra, e o importante é que as coisas estejam funcionando, que as pessoas estejam conscientes do seu papel, trabalhando no que gostam e fazendo a ciência como um todo avançar!