De modo geral, as universidades são conhecidas, em um primeiro momento, pela sua missão inicial de formação profissional no nível da educação “superior” (em contraposição à “educação básica”, no Brasil, que vai da educação infantil até o ensino médio). A universidade e outras IES (como faculdades e institutos isolados) oferecem cursos relacionados às diferentes profissões, como biólogos, professores, médicos, agrônomos, veterinários, sociólogos, enfermeiros, engenheiros, advogados etc, e realmente o ensino superior se caracteriza por estar mais ligado à atividade profissional mais especializada. Temos que lembrar que existem cursos profissionalizantes, técnicos ou tecnológicos de nível médio oferecidos pelos Institutos Federais (antigas Escolas Técnicas e CEFETs; a designação foi mudando ao longo do tempo) e outras IES. Mas o nosso foco aqui serão os cursos de graduação.
Existem hoje uma série de cursos de graduação e muitas profissões reconhecidas, com um leque enorme de opções para os estudantes que estão terminando o ensino médio. Na realidade, os dados disponíveis para a última avaliação do MEC em 2017 mostram que no Brasil existem quase 22.000 cursos de graduação, oferecidos por pouco mais de 2.000 instituições de ensino superior! Desse total de cursos, mais ou menos 25% estão nas Universidades e Institutos Federais (de fato, mais da metade das instituições oferece apenas entre 1 e 4 cursos...). A UFG, por exemplo, oferta vagas para um total de 146 cursos de graduação nas mais diferentes áreas do conhecimento (em julho de 2019). As diferentes Universidades possuem sistemas de seleção e de provas para que o estudante possa escolher um desses cursos e ingressar na Universidade. No caso do sistema federal, a maior parte das Universidades hoje adere ao modelo SiSU, que é baseado na pontuação nacional obtida no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), realizado anualmente pelo MEC.
Nesse sentido, é importante destacar que, desde 2012, existe uma lei federal (a Lei 12.711/2012, de outubro de 2012) que instituiu cotas para as Universidades e Institutos Federais, em um processo de ações afirmativas. A ideia é que, gradualmente, as Universidades poderiam aderir a um sistema no qual 50% das vagas seriam destinadas a alunos de escolas públicas (sendo metade destas destinadas a alunos com renda familiar menor do que 1,5 salários mínimos), e ainda dentro destes 50% haveria um componente de vagas para Pretos, Pardos e Indígenas (PPI) com a proporção determinada pelos dados de raça/cor do IGBE. Essa política visa a diminuir a desigualdade social no sistema de ensino superior, já que em função da grande concorrência, especialmente nos cursos mais “tradicionais” (como medicina, direito e engenharias) a chance de ingresso de alunos de camadas sociais mais privilegiadas era bem mais alta (uma vez que estes sempre tiverem mais oportunidades e acesso a um ensino médio privado de melhor "qualidade"). Esse sistema de cotas tem, em princípio, um prazo de validade de 10 anos, tempo no qual as desigualdades devem ser corrigidas, ou pelo menos mitigadas (ou então o prazo poderia ser estendido, após avaliação e redefinição de políticas...). Embora haja uma série de críticas e discussões sobre esse tema, é importante destacar que, de fato, essa política por si não aumentou a concorrência geral no sistema, uma vez que ela coincidiu com um grande aumento no número de vagas nas Universidades, que aumentaram muito em número de docentes e estudantes com o programa REUNI do Governo Federal, que foi iniciado em 2008-2009 (quero discutir melhor essa questão das afirmativas posteriormente...).
O ingresso de pessoas com maior fragilidade social, ao mesmo tempo, implicou em um aumento na necessidade de apoio financeiro a muitos desses alunos, em um grande programa de Assistência Estudantil, que deve propiciar aos estudantes carentes bolsas e subsidio na alimentação nos restaurantes universitários, apoio para permanência (bolsas- permanência ou moradia estudantil) além de apoio acadêmico e psicológico. Uma parte considerável do orçamento das Universidades Federais hoje, oriundo do MEC, destina-se especificamente a esse programa, chamado PNAES (o “Programa Nacional de Assistência Estudantil”). Com a mobilidade entre alunos de diferentes regiões do Brasil ampliada pelo programa SiSU, essa necessidade ficou ainda maior, pois muitos estudantes terminam saindo da sua cidade natal, aumentando muito os seus custos de manutenção pessoal. Embora os recursos atualmente do PNAES sejam, de fato, insuficientes para dar aos estudantes carentes todo o apoio necessário, ele sem dúvida permite a permanência de muitos deles, mudando assim para sempre suas possibilidades de melhoria na qualidade de vida e toda a sua trajetória pessoal!
Ainda no contexto do ingresso, um ponto importante é que estudantes concluindo o ensino médio têm hoje uma série de indicadores importantes que podem ajudar a escolher seu curso de graduação e a Universidade onde querem (ou podem) estudar. Desde 2004 o MEC começou a aplicar provas para avaliar os alunos que estão concluindo os cursos de graduação, o ENADE. Esses exames são obrigatórios e, de fato, integram o Sistema Nacional da Avaliação Superior (Sinaes), a partir do qual os cursos de graduação são avaliados com base no desempenho dos alunos concluintes, de questionários que permitem avaliar as condições gerais do curso, dados de qualificação e dedicação do corpo docente e a infraestrutura da Universidade como um todo, além de avaliações “in loco” por docentes de outras instituições, convidados pelo MEC. Além disso conseguimos hoje comparar o ENEM e o ENADE para os alunos que ingressaram mais recentemente (pois os dados dessas duas avaliações são para cada aluno individualmente) e assim avaliar o quanto o curso “agregou” ao aluno, ou seja, se houve uma melhoria no desempenho de cada estudantes depois de passar pelo ensino superior. Esse é o denominado de Índice de Diferença de Desempenho Observado e Esperado (IDD).
Com base na síntese de todas essas informações os cursos de graduação de todo o Brasil, de todas as instituições, recebem um conceito variando de 1 a 5, o chamado Conceito Preliminar do Curso (CPC). Cursos com baixo desempenho, com notas igual a 1 ou 2, são automaticamente selecionados para uma avaliação e visita técnica, que deve tentar resolver os problemas existentes (e se a nota persistir devem ser descredenciados). Os cursos com notas maiores do que 3 podem receber visitas técnicas e tentar melhorar a avaliação, que será posteriormente finalizada para a avaliação institucional. Veja nesse artigo de DeLacerda & Ferri (2017) mais detalhes e discussões sobre o CPC e aqui a portaria mais recente do MEC com os detalhes da avaliação para 2019 (a Portaria no. 586, de 9 de julho de 2019).
Finalmente, acumulando-se todos esses indicadores e essa informação do CPC por períodos mais longos (3 anos), além de outros dados institucionais, especialmente as notas e conceitos dos mestrados e doutorados feita pela CAPES (vamos discutir esse assunto em breve), ponderadas pelos número de alunos matriculados, as IES do Brasil recebem uma nota geral, o Índice Geral de Cursos (IGC). Apenas para fins de ilustrar algumas possibilidades de avaliação com os dados disponiveis, coloco na figura abaixo os valores medianos e intervalos de confiança dos valores de IGC (em um gráfico que chamamos de “box plot”). No eixo Y temos o valor do IGC "continuo" fornecido pelo INEP/MEC para as instituições de ensino superior com mais de 5 cursos de graduação, para 5 tipos de instituição (na ordem ao longo do eixo X, temos as IES Federais, Estaduais, Municipais, em vermelho, e as Universidades privadas, sendo em azul claro as sem fins lucrativos e em azul escuro aquelas com fins lucrativos). A largura de cada uma das barras verticais reflete o número de instituições em cada categoria.
Olhando a figura podemos ver que os valores do IGC são semelhantes entre as Instituições Federais e Estaduais (com a médias das instituições federais, igual a 3.2, sendo ligeiramente superior às Estaduais, igual a 2.9). Mas as Estaduais possuem uma distribuição mais "assimétrica", com algumas instituições indo até valores quase máximos, mas com uma tendência central um pouco mais abaixo da media das Federais (isso se explica pelo IGC mais alto das poucas Estaduais de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná). As médias da Federais e Estaduais são bem maiores do que a média das (poucas) instituições municipais (IGC médio igual a 2.2). As instituições privadas sem e com fins lucrativos são mais numerosas (barras mais largas) e são semelhantes no IGC, com médias menores do que as públicas federais e estaduais e iguais a 2.65 e 2.57, respectivamente. Entretanto, algumas das instituições privadas sem fins lucrativos possuem valores bastante elevados e tão altos quanto as públicas federais e estaduais (são “outliers” no boxplot).
Essa análise rápida serve apenas para ilustrar quantas informações disponíveis temos hoje que podem nos ajudar a avaliar as instituições e os cursos de todo o Brasil, e isso pode ser realmente importante tanto para os gestores quanto para os alunos que querem ingressar no ensino superior. É muito importante chamar atenção aqui que, de fato, há um órgão (uma autarquia) associado ao MEC especializado nessas avaliações, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais “Anísio Teixeira”, o Inep. O Inep tem realizado um importante trabalho para avaliar e melhorar a educação superior no Brasil, já há muitos anos, e a síntese dos resultados que pode ser consultado em sua webpage mostra isso! Os dados utilizados para confeccionar a figura acima foram obtidos diretamente de lá! Há também avaliações em um contexto mais amplo, realizadas com o apoio do Inep, como a realizada em 2017 pela “Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico” (OCDE), que resultou no relatório Rethinking Quality Assurance for Higher Education in Brazil. É interessante, especialmente para os estudantes que estão concluindo o ensino médio e que querem ingressar em uma Universidade, entender os resultados dessas avaliações e escolher os melhores cursos para realizar sua formação profissional.
Uma vez que os alunos ingressam na Universidade eles iniciam seu curso de graduação. Dentro da ideia da autonomia que já discutimos, a Universidade define e oferta de um conjunto de disciplinas que vão dar a formação geral do aluno no curso escolhido, em vários períodos e formatos. Essa matriz curricular é estabelecida a partir de muitas discussões internas e de um projeto que é aprovado nas várias instâncias da Universidade, e que se constitui no Projeto Pedagógico-Curricular (PPC) do curso. Mais uma vez, a Universidade tem liberdade para definir várias coisas em relação à essa estrutura curricular, mas ela em geral vai respeitar as diretrizes tanto do MEC quanto dos Conselhos Profissionais (que são entidades ligadas ao Ministério do Trabalho e que regulamentam o exercício das profissões no Brasil), em termos de carga horária mínima quanto de conteúdos importantes etc.
Entretanto, quero aqui chamar atenção de que essa visão de formação dos profissionais nos cursos de graduação é uma visão apenas superficial e de certo modo simplista, mais “burocrática”. Com certeza, a realidade é bem mais complexa em vários sentidos. O que quero dizer é que a Universidade, de fato, oferece muito mais do que isso. E para entendermos melhor essa questão temos que voltar para o contexto do tripé ensino, pesquisa e extensão que já discutimos bastante e começar a ver com isso funciona mais de perto...no próximo post!
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